Nos últimos anos, o processo de heteroidentificação fenotípica, no qual comissões avaliam se a autodeclaração racial de candidatos a cotas corresponde às suas características físicas tornou-se um instrumento central na aplicação das políticas afirmativas no Brasil. Especialmente no acesso ao ensino superior e em concursos públicos, essa prática é adotada por diversas instituições como forma de coibir fraudes e garantir que os benefícios das cotas raciais cheguem, de fato, à população negra.
Na Universidade de Rio Verde, uma comissão interna é responsável por conduzir as entrevistas de heteroidentificação. A cada novo período de seleção, os candidatos autodeclarados pretos ou pardos passam por entrevistas presenciais, nas quais são avaliados com base em critérios fenotípicos visíveis, como cor da pele, textura do cabelo e traços faciais. A iniciativa visa fortalecer o compromisso institucional com a equidade racial e assegurar que as cotas cumpram sua função reparadora.
E para discutir como tem sido aplicado o processo de heteroidentificação fenotípica nas políticas afirmativas no Brasil, especialmente no acesso ao ensino superior e concursos públicos, trazendo uma reflexão sobre os impactos sociais, éticos e institucionais dessa prática, o Professor da Faculdade de Pedagogia da UniRV, Dr. Bruno de Oliveira Ribeiro possui uma longa trajetória de vivencias e investigações da temática.
Bruno iniciou seu envolvimento ativo no Instituto Luther King em Campo Grande (MS) em 2006, envolvendo-se com debates raciais e ações afirmativas. Formado em Ciências Sociais, pesquisou o Movimento Negro e políticas afirmativas no mestrado na UEL, e aprofundou a experiência como professor em bancas de verificação de autodeclaração racial na UEMS. No doutorado na Unesp, analisou critérios de definição racial nas universidades, destacando a heteroidentificação fenotípica. Em 2022, lançou o livro Quem é negro no Brasil?, explorando essas temáticas.

O Docente explica sobre as Ações Afirmativas, que são políticas públicas voltadas à correção de desigualdades históricas e sociais, especialmente raciais, no acesso à educação e ao mercado de trabalho. “No Brasil, a partir dos anos 2000, as AAs tornaram-se políticas de Estado, com destaque para a Lei 12.711/2012, que instituiu cotas raciais nas universidades federais, e a Lei 12.990/2014, que reservou vagas em concursos públicos. Vale destacar que as AAs não são apenas medidas compensatórias, mas também são formas de politização do espaço público e de disputa de sentidos sobre a identidade negra e identidade nacional, “
Bruno fala da sua dedicação em analisar as políticas de ação afirmativas das Universidades Públicas brasileiras, mais especificamente, nos critérios que estas instituições utilizam para garantirem o direito as vagas destinadas aos negros, ou seja, aos pretos e pardos, e ressalta que nesse sentido, duas ideias são importantes, a autodeclaração e a heteroidentificação fenotípica.
Sobre a autodeclaração, o Doutor em Ciências Sociais explica que é o princípio segundo o qual a pessoa se identifica racialmente, sendo adotado amplamente nas primeiras políticas afirmativas, especialmente com base nas categorias do IBGE (branco, pardo, preto, amarelo e indígena). “Esse princípio passou a ser questionado quando as ações afirmativas passaram a se expandir. Popularizou, durante um período vários casos de pessoas “brancas” se autodeclarando como negra (parda) para usufruir das políticas de ação afirmativa, casos que são comumente chamados de fraude, levando ao questionamento da autodeclaração como único critério. A maioria das Instituições de Ensino Superior passaram a adotar novos parâmetros para se somar aos critérios de autodeclaração racial,” afirma Bruno.
Acerca da Heteroidentificação fenotípica, o Docente comenta que é o processo pelo qual comissões institucionais avaliam, com base em critérios fenotípicos, como aparência física por exemplo, se a autodeclaração de um candidato é condizente com a sua identidade racial percebida. Tratando-se de uma resposta institucional às fraudes e à insegurança jurídica das AAs.
O Professor, contudo, explica que é preciso evitar que o procedimento de heteroidentificação burocratize e essencialize a identidade negra, ao reduzi-la a um dado técnico-jurídico, esvaziando sua dimensão política e subjetiva. Essa abordagem simplifica identidades culturais complexas a critérios objetivos e mensuráveis, desconsiderando seu caráter histórico, conjuntural e culturalmente construído. “Todos os referenciais teóricos sobre identidade no mundo contemporâneo apontam que se trata de um processo, são conjunturais, históricas, politicamente construídas e situadas culturalmente e, sendo assim, não podem ser fixadas, rígidas ou imóveis,” pondera Bruno.
Equipe Ascom UniRV
Jornalista: Vanderli Silvestre - CRP 4126/GO
Arte: Vinicius Macedo